A poesia
produzida no Brasil da segunda metade do século XVIII, no contexto do movimento
literário denominado Arcadismo, tem como característica marcante a convenção
pastoril. O poeta, travestido de pastor de uma Arcádia ideal, assim como os bucólicos antigos Teócrito e Virgílio, exalta a paisagem
natural e a vida no campo, em contraste com a vida urbana e social da corte.
A poesia Marília de Dirceu é uma das mais conhecidas da língua portuguesa, representativa do gênero lírico-amoroso do arcadismo brasileiro.
A poesia Marília de Dirceu é uma das mais conhecidas da língua portuguesa, representativa do gênero lírico-amoroso do arcadismo brasileiro.
O pastor Dirceu
O pastor
Dirceu não se separa inteiramente da identidade do poeta e jurista Gonzaga,
pois nas liras de Marília de Dirceu, há
inúmeros traços autobiográficos. Segundo Antonio Candido, Gonzaga é o único
poeta árcade cuja vida amorosa é interessante para a compreensão de sua obra.
Esse poema lírico é tecido com a experiência de um amor não concretizado, mas
que percorreu as fases da paixão, do noivado e da separação. Somente conhecendo
sua biografia, é possível compreender a nítida mudança de tom que se observa na
passagem da primeira parte, publicada em 1792, para a segunda parte das liras, provavelmente
escrita na prisão da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, onde cumpriu pena de
três anos (1789-1792) por sua participação na Inconfidência Mineira. A segunda
parte da obra foi publicada em 1799 e a terceira foi publicada pela Imprensa Régia
em 1812.
Na
primeira parte, há um sentimento de felicidade e euforia, com o amor em vias de
se concretizar.
Irás a divertir-te na floresta,
Sustentada, Marília, no meu braço;
Ali descansarei a quente sesta,
Dormindo um leve sono em teu regaço:
Enquanto a luta jogam os Pastores,
E emparelhados correm nas campinas,
Toucarei teus cabelos de boninas,
Nos troncos gravarei os teus louvores.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Na
segunda parte, há um tom de lamento e tristeza, diante do infortúnio e da
separação.
Nesta cruel masmorra tenebrosa
Ainda vendo estou teus olhos belos,
A testa formosa,
Os dentes nevados,
Os negros cabelos.
.......................................
Sucede, Marília bela,
À medonha noite o dia;
A estação chuvosa e fria
À quente seca estação.
Muda-se a sorte dos tempos;
Só a minha sorte não?
Na terceira
parte, o poeta se revela não mais como pastor, mas como o magistrado que era de
fato.
Verás em cima da espaçosa mesa
Altos volumes de enredados feitos;
Ver-me-ás folhear os grande livros,
E decidir os pleitos.
Enquanto revolver os meus consultos.
Tu me farás gostosa companhia,
Lendo os fatos da sábia mestra história,
E os cantos da poesia.
Lerás em alta voz a imagem bela,
Eu vendo que lhe dás o justo apreço,
Gostoso tornarei a ler de novo
O cansado processo.
Diferentemente
de outros poetas árcades, Gonzaga imprime sua marca e biografia no pastor
Dirceu e exalta a musa Marília, que representa Maria Doroteia, mocinha muito mais
jovem, por quem ele se apaixona e fica noivo, mas de quem é separado irremediavelmente.
Maria
Doroteia Joaquina de Seixas (1767‐1853), nasceu em Vila Rica e ficou órfã de mãe ainda criança,
ficando com seus irmãos aos cuidados de um tio e tias. Era uma moça de 15 anos quando
Tomás Antônio Gonzaga (1744‐1810)
veio de Portugal para esta cidade, a fim de assumir o cargo de ouvidor, no fim
de 1782.
Gonzaga,
quase quarentão, compôs muitas liras para seduzir sua musa, dando a ela o nome
poético de Marília e chamando a si mesmo de Dirceu. Após cerca de seis anos de
namoro, a moça foi deixada para trás pelo noivo, preso em maio de 1789, por
participação na Inconfidência Mineira, e nunca mais tornou a vê‐lo.
Ele
passou ainda três anos preso no Rio de Janeiro, aguardando julgamento. Durante a
prisão, escreveu a segunda parte dos poemas dedicados à musa Marília. Foi
deportado para Moçambique em 1792, onde um ano depois se casou com Juliana de
Souza Mascarenhas, filha de um rico mercador de escravos. Lá teve dois filhos e
faleceu no início de 1810.
Os poemas
dedicados a Marília ficaram
famosos a partir de 1792, e a edição de Marília de Dirceu de 1810
foi a primeira a ser publicada no Brasil pela Imprensa Régia.
Marília
continuou vivendo em Vila Rica e jamais se casou. Em 1836, com 69 anos, ela
providenciou seu testamento, nomeando como herdeiros Dona Francisca de Paula
Manso de Seixas, que vivia com ela, e o afilhado Sr. Anacleto Teixeira de
Queiroga, residente no Rio de Janeiro. Alguns autores afirmam que ele era filho
ilegítimo dela com um homem chamado Dr. Queiroga. Essa história gerou polêmica
entre pesquisadores e descendentes da família dela.
A
informação foi contestada por Thomaz Brandão, um primo em quarto grau de Maria
Doroteia. Segundo esse primo, Anacleto era filho do Dr. Queiroga com
Emerenciana, irmã caçula de Maria Doroteia. Em 1932, ele publicou um livro
também chamado Marília de Dirceu,
assegurando que ela morreu donzela.
Maria
Doroteia morreu aos 85 anos, no dia 10 de fevereiro de 1853, mas Marília, a
belíssima musa do poeta, permanece viva.
Referências bibliográficas
BOSI, Alfredo. História
concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1975.
CANDIDO, Antonio.
Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. Belo Horizonte: Itatiaia
Ltda, 2000.
JARDIM, Ana. Segredos eternos da musa. Revista de História, 2011. Disponível em:
SUTTANA, Renato. Tomás Antônio Gonzaga: Duplo personagem.
Rev. de Letras, n. 23 - Vol. 1/2, 2001. 1/2, 2001. Disponível
em: http://www.revistadeletras.ufc.br/rl23Art04.pdf
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