domingo, 27 de novembro de 2016

Silva Alvarenga

Grupo: Jorge Rastelli, Gabriela Xavier e Ana Karolina Ferreira.

Biografia:


Escritor e poeta do arcadismo brasileiro nascido em Vila Rica, capitania de Minas Gerais, que ao lado do perfeccionismo dos versos, transmitiu em sua arte poética um sentimento que o distinguiu dos demais árcades mineiros. Mestiço e pobre, filho bastardo do músico Inácio da Silva Alvarenga, com a ajuda de amigos, aos dezenove anos foi estudar Humanidades no Rio de Janeiro, e depois de dois anos foi para a Portugal iniciar estudos superiores na Universidade de Coimbra (1771). Lá conheceu e fez amizades com intelectuais como Basílio da Gama e Alvarenga Peixoto e acompanhou a intensa atividade intelectual numa época em que o marquês de Pombal efetuava a reforma do ensino, quebrava a tradição escolástica dos jesuítas e combatia a nobreza. Filiou-se à Arcádia Ultramarina, com o nome de Alcindo Palmireno e publicou o poema O desertor (1774).
Concluiu seu curso (1776), publicou O templo de Nepturno (1777), escrito em honra da aclamação de D. Maria I, e regressou ao Rio de Janeiro (1777). Começou a exercer a advocacia no Brasil e abriu um curso de retórica e de poética (1782) e foi nomeado professor régio por Luís de Vasconcelos e Sousa, vice-rei. Sob o governo do Marquês do Lavradio, protetor das ciências e das artes, tornou-se membro da Sociedade Científica do Rio de Janeiro. Ainda patrocinado por Vasconcelos e Sousa, abriu a Sociedade Literária do Rio de Janeiro (1786), que logo transformou-se em clube de idéias democráticas. Acusado de cultuarem as idéias revolucionárias francesas e de subversão contra a Coroa portuguesa, por denúncia do frei Raimundo e do rábula José Bernardo da Silveira Frade, foi preso a mando do Conde de Resende, então vice-rei, que determinou o fechamento da Sociedade Literária do Rio de Janeiro e o encarceramento dos seus sócios.



Permaneceu no cárcere dois anos e oito meses, sujeito a rigorosa e humilhante devassa, confiada ao juiz Antônio Diniz da Cruz e Silva, que já servira na devassa da Inconfidência Mineira. Posto em liberdade (1797) por ordem de d. Maria I, ante a falta de provas concludentes para a sua condenação, publicou a primeira edição de Glaura: Poemas eróticos, na Oficina Nunesiana, Lisboa (1799). Voltou a ensinar e colaborou (1813), juntamente com o seu companheiro da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, Mariano José Pereira da Fonseca, futuro marquês de Maricá, em O Patriota (1813-1814). Com a fundação de O Patriota, tornou-se um dos primeiros jornalistas brasileiros. Faleceu em 1° de novembro, no Rio, solteiro, sem deixar descendentes. Outras publicações importantes foram Desertor das Letras (1774 ), A gruta americana (1779) e o poema Às artes (1788) e a segunda edição de Glaura: Poemas eróticos (1801) na Oficina Nunesiana, Lisboa.


Silva Alvarenga é um dos principais poetas árcades brasileiros. Para o crítico José Aderaldo Castello, em sua obra “ressalta-se, em primeiro plano, a atitude de transição assumida pelo poeta entre o espírito servil e bajulador e o espírito independente dos autores da literatura brasileira colonial, em relação aos mandatários e poderosos de Portugal.”


Principais obras:
  • A Gruta Americana
  • A José Basílio da Gama
    Termindo Sipílio


    Num vale estreito o pátrio rio desce,
    De altíssimos rochedos despenhado
    Com ruído, que as feras ensurdece.

    Aqui na vasta gruta sossegado
    O velho pai das ninfas tutelares
    Vi sobre urna musgosa recostado;

    Pedaços d'ouro bruto nos altares
    Nascem por entre as pedras preciosas,
    Que o céu quis derramar nestes lugares.

    Os braços dão as árvores frondosas
    Em curvo anfiteatro onde respiram
    No ardor da sesta as dríades formosas.

    Os faunos petulantes, que deliram
    Chorando o ingrato amor, que os atormenta,
    De tronco em tronco nestes bosques giram.

    Mas que soberbo carro se apresenta!
    Tigres e antas, fortíssima Amazona
    Rege do alto lugar em que se assenta.

    Prostrado aos pés da intrépida matrona,
    Verde, escamoso jacaré se humilha,
    Anfíbio habitador da ardente zona.

    Quem és, do claro céu ínclita filha?
    Vistosas penas de diversas cores
    Vestem e adornam tanta maravilha.

    Nova grinalda os gênios e os amores
    Lhe oferecem e espalham sobre a terra
    Rubins, safiras, pérolas e flores.


  • O Beija-Flor - Rondó VII
    Deixo, ó Glaura, a triste lida
    Submergida em doce calma;
    E a minha alma ao bem se entrega,
    Que lhe nega o teu rigor.

    Neste bosque alegre e rindo
    Sou amante afortunado;
    E desejo ser mudado
    No mais lindo Beija-flor.

    Todo o corpo num instante
    Se atenua, exala e perde:
    É já de oiro, prata e verde
    A brilhante e nova cor.

    Deixo, ó Glaura, a triste lida
    Submergida em doce calma;
    E a minha alma ao bem se entrega,
    Que lhe nega o teu rigor.

    Vejo as penas e a figura,
    Provo as asas, dando giros;
    Acompanham-me os suspiros,
    E a ternura do Pastor.

    E num vôo feliz ave
    Chego intrépido até onde
    Riso e pérolas esconde
    O suave e puro Amor.

    Deixo, ó Glaura, a triste lida
    Submergida em doce calma;
    E a minha alma ao bem se entrega,
    Que lhe nega o teu rigor.

    Toco o néctar precioso,
    Que a mortais não se permite;
    É o insulto sem limite,
    Mas ditoso o meu ardor;

    Já me chamas atrevido,
    Já me prendes no regaço:
    Não me assusta o terno laço,
    É fingido o meu temor.

    Deixo, ó Glaura, a triste lida
    Submergida em doce calma;
    E a minha alma ao bem se entrega,
    Que lhe nega o teu rigor.

    Se disfarças os meus erros,
    E me soltas por piedade,
    Não estimo a liberdade,
    Busco os ferros por favor.

    Não me julgues inocente,
    Nem abrandes meu castigo;
    Que sou bárbaro inimigo,
    Insolente e roubador.

    Deixo, ó Glaura, a triste lida
    Submergida em doce calma;
    E a minha alma ao bem se entrega,
    Que lhe nega o teu rigor.
Analise dos poemas:


Nos poemas dele poderemos encontras diversas referências ao bucólico em trechos como a primeira estrofe toda do poema "A Gruta Americana", como vales, rios, rochedos. 
Vale mencionar que apesar de o período arcade ser associado a "campo" e mitologia,  refere-se a natureza em geral e a mitologia pois o arcadismo vem para se contrapor ao barroco, onde a ideia era a manipulação e a falsificação, teatralização da natureza, dando uma ideia de domínio sobre ela e no arcadismo o próprio sentimento do homem se reflete na natureza, ou seja, não há domínio, nem relação de força, há a mais completa aceitação do natural, ao ponto do mais intimo do homem (seus sentimentos) se refletirem no estado da natureza.
Agora que a analise foi feita, segue-se exemplo de outros momentos em que o bucólico aparece no poema: A menção de ninfas na segunda estrofe é algo muito característico do arcadismo pois além de se remeterem a mitologia, também fazem referencias a entidades campestres. Há no poema Beija-Flor na terceira estrofe, menções de elementos da natureza como a flor, pedras preciosas, céu e já na quarta ele falará do anfiteatro, nas dríades, na quinta a emoção expressa em um ser mitológico, afetando a natureza ao redor. A sexta estrófe até a décima, seguirá esse padrão bem comum do período árcade. Menções a natureza, mitologia e a integração, a ligação do sentimento e da natureza.
Seu segundo poema, "O Beija-Flor - Rondó VII" faz uma espécie de inversão interessante. Ele ainda traz características do árcade porém ao invés do sentimento modificando a natureza ao redor, ou a natureza refletindo os sentimentos do personagem, os próprios sentimentos são descritos como elementos da natureza como por exemplo "Neste bosque alegre e rindo", do mesmo modo como poder ser interpretado como o estado de espírito do personagem no lugar em que ele está, se sujeita também a uma interpretação menos subjetiva e mais direta, onde o próprio bosque sorri. A natureza não representando mas apresentando sentimentos. No Poema beija-flor, aparece a figura do pastor, que é algo muito característico do bucólico também.
O poema "A Gruta Americana", o foco está nos elementos da natureza e na mitologia grega, enquanto que "O Beija-Flor", nos sentimentos remetidos a sua amada.


Crítica:
       
O Arcadismo, também conhecido como Setecentismo ou Neoclacissismo, é o movimento que compreende a produção literária brasileira na segunda metade do século XVIII. O nome faz referência à Arcádia, região do sul da Grécia que, por sua vez, foi nomeada em referência ao semideus Arcas (filho de Zeus e Calisto).
Denota-se, logo de início, as referências à mitologia grega que perpassa o movimento.
Profundas mudanças no contexto histórico mundial caracterizam o período, tais como a ascensão do Iluminismo, que pressupunha o racionalismo, o progresso e as ciências. Na América do Norte, ocorre a Independência dos Estados Unidos, em 1776, abrindo caminho para vários movimentos de independência ao longo de toda a América, como foi o caso do Brasil, que presenciou inúmeras revoluções e inconfidências até a chegada da Família Real em 1808.
O movimento tem características reformistas, pois seu intuito era o de dar novos ares às artes e ao ensino, aos hábitos e atitudes da época. A aristocracia em declínio viu sua riqueza esvair-se e dar lugar a uma nova organização econômica liderada pelo pensamento burguês.
Ao passo que os textos produzidos no período convencionado de Quinhentismo sofreram influência direta de Portugal e aqueles produzidos durante o Barroco, da cultura espanhola, os do Arcadismo, por sua vez, foram influenciados pela cultura francesa devido aos acontecimentos movidos pela burguesia que sacudiram toda a Europa (e o mundo Ocidental).


Segundo o crítico Alfredo Bosi em seu livro História Concisa da Literatura Brasileira (São Paulo: editora Cultrix, 2006) houve dois momentos do Arcadismo no Brasil:
a) poético: retorno à tradição clássica com a utilização dos seus modelos, e valorização da natureza e da mitologia.
b) ideológico: influenciados pela filosofia presente no Iluminismo, que traduz a crítica da burguesia culta aos abusos da nobreza e do clero.


Último dos neoclássicos de relêvo, autor de uma Epístolaa Basílio da Gama forrada de preceitos horacianos, Silva Alvarenga já foi considerado, no entanto, "o elo que prende os árcades e os românticos" ( Ronald de Carvallzo ). A expressão trai uma crítica externa, se não superficial: o fato de se incluírem nos rondós nomes de árvores brasileiras, o cajueiro e a mangueira a cuja sombra repousa Glaura, além de não ser traço exclusivo do poeta, pode explicar-se como simples nativismo de paisagem, comum a barrocos e árcades. E o ameninamento das comparações ( com pombos e beija-flôres ) e dos adjetivos ( ternos Amores, tenra flor, púrpura mimosa, mimosa Glaura ) tem um quê de Metastásio dengoso e acariocado que se entende à maravilha quando se evoca o tipo do mestiço culto nos tempos coloniais, não se fazendo mister a etiqueta "romântico" para defini-lo.

Principais características do arcadismo:


- inspiração nos modelos clássicos greco-latinos e renascentistas, como por exemplo, em O Uraguai (gênero épico), em Marília de Dirceu (gênero lírico) e em Cartas Chilenas (gênero satírico);
- influência da filosofia francesa;
- mitologia pagã como elemento estético;
- o bom selvagem, expressão do filósofo Jean-Jacques Rousseau, denota a pureza dos nativos da terra fazem menção à natureza e à busca pela vida simples, bucólica e pastoril;
- tensão entre o burguês culto, da cidade, contra a aristocracia;
- pastoralismo: poetas simples e humildes;
- bucolismo: busca pelos valores da natureza;
- nativismo: referências à terra e ao mundo natural;
- tom confessional;
- estado de espírito de espontaneidade dos sentimentos;
- exaltação da pureza, da ingenuidade e da beleza.

Termos em latim
O uso de expressões em latim era comum no neoclacisssimo. Elas estavam associados ao estilo de vida simples e bucólico. Conheça algumas delas:

Inutilia truncat: "cortar o inútil", referência aos excessos cometidos pelas obras do barroco. No arcadismo, os poetas primavam pela simplicidade.
Fugere urbem: "fugir da cidade", do escritor clássico Horácio;
Locus amoenus: "lugar ameno", um refúgio ameno em detrimento dos centros urbanos monárquicos;
Carpe diem: "aproveitar a vida", o pastor, ciente da efemeridade do tempo, convida sua amada a aproveitar o momento presente.

Cabe ressaltar, no entanto, que os membros da Arcádia eram todos burgueses e habitantes dos centros urbanos. Por isso a eles são atribuídos um fingimento poético, isto é, a simulação de sentimentos fictícios.
 


Bibliografia de Silva Alvarenga:


Sua obra poética constitui-se dos livros O Desertor (1774), O Templo de Netuno (1777), A Gruta Americana (1779), Às Artes (1778) e, o mais famoso, Glaura (1799).

Fontes de pesquisa:

Conteúdo ministrado em sala de aula. 
História Concisa da Literatura Brasileira, de Alfredo Bosi
http://www.soliteratura.com.br/arcadismo/



Poetisas do sec. XVIII

Grupo:
Thaís Bastos
Julia Bitencourt
Ana Carolina Teixeira
Joelder Battista  

Biografia:

Delfina Benigna da Cunha
 
Poeta que viveu no período de transição entre o crepúsculo árcade e o germinar do romantismo. Delfina Benigna da Cunha nasceu na província de São José do Norte (RS), em 17/06/1791.
Era de família de boa cepa portuguesa e muito benquista na corte de D. Pedro I. Viveu parte da sua vida no Recife (PE) e no Rio de Janeiro (RJ), onde faleceu em 13/04/1857. Ficou cega aos vinte meses de idade, devido a uma virose, mas isso não a impediu de se engajar na vida e se dedicar aos estudos e à literatura, tornando-se poeta conhecida em seu tempo. Segundo a crônica, Delfina Benigna foi a primeira mulher a editar um livro de poesia no prelo rio-grandense: Poesias oferecidas às senhoras rio-grandenses, publicado em 1834. (in. D. Carvalho da Silva, Vozes femininas da poesia brasileira. SP, 1959).
Após a morte do pai, fica sem amparo econômico e é ajudada pelo Imperador. Atenta aos acontecimentos de sua época e fiel ao governo real, manifesta-se contra a Revolução Farroupilha (1835/1845) que eclode no Rio Grande do Sul. Foi por seu combate ao Movimento Farroupilha (redondilhas combativas que acusavam Bento Gonçalves, Garibaldi e seus farrapos de anarquistas), que ficou conhecida na época como Ceguinha. Devido a esse envolvimento político (e posterior vitória de Bento Gonçalves), viu-se obrigada a emigrar para o norte. Viajou por vários Estados, permanecendo alguns anos no Recife.
Em 26 de outubro de 1838, o Diário de Pernambuco publica a notícia de que o livro Poesias e Improvisos da poetisa Delfina Benigna estava à venda na loja de livros da Praça da Independência n° 37 e 38, pelo preço de 1.000 réis e que o motor da audácia com que a autora oferecia seus versos era a necessidade, pois precisava viver. Informava ainda que a poetisa era “um gênio raro na escola das musas, onde honra sua pátria e abrilhanta o sexo amável a que tão dignamente pertence”.
Referindo-se à sua poetisa, Guilhermino César define-a como impregnada de melancolia e tristeza. A musa da desgraça é que a inspira. Aqui e ali não deixa, porém, de fazer poesia de ocasião: conta batizados, bodas e mortes, tudo isso com um largo dispêndio de encômios a amigos e parentes, revelando aquele oportunismo lamuriento e pegajoso dos cegos. Faltando-lhe a visão do mundo exterior, volta-se sobretudo para dentro de si mesma, para o seu desamparo de mulher bela e inválida. (in. História da literatura do Rio Grande do Sul. PA, 1950).

Ildefonsa Laura César

Poeta reconhecida como a primeira mulher intelectual baiana, nasceu em Salvador (BA), em 1774 e faleceu em 1873, aos 99 anos de idade. Dedicada aos estudos de literatura, filosofia e línguas, foi professora e se preocupou especialmente com a orientação moral e intelectual dos jovens. Escreveu poesia e, em 1844, publicou o livro Ensaios poéticos (apontado como o primeiro livro publicado por uma mulher na Bahia). Ela foi muito bem recebida pela imprensa baiana (jornais: O Comércio e O Mosaico) e pelos louvores de figuras representativas, como o Dr João Barbosa. Ela escreveu também livros de reflexão didática. Sua poesia expressa os rastros de um arcadismo já sem força criadora, que coincide com as primeiras manifestações do Romantismo. Ela faz das pastoras o símbolo do ideal de vida simples e feliz, em contraste com a dor do viver de quem tem consciência dos da vida e da impossibilidade de felicidade plena. Suas publicações foram Ensaios poéticos, em 1844, e Lição a meus filhos, em 1854.
  

 
Principais obras:
  • ·         SONETO (Delfina Benigna da Cunha)

Vinte vezes a lua prateada
Inteira o rosto seu mostrado havia,
Quando um terrível mal, que então sofria,
Me tornou para sempre desgraçada.

De ver o céu e o sol sendo privada,
Cresceu a par comigo a mágoa ímpia;
Desde a infância a mortal melancolia
Se viu em meu semblante debuxada.

Sensível coração deu-me a natura,
E a fortuna, cruel sempre comigo,
Me negou toda a sorte de ventura ;

Nem sequer um prazer breve consigo:
Só para terminar minha amargura
Me aguarda o triste, sepulcral jazigo.


 Suas lembranças  mostram uma infância triste, onde não se podia ver o sol, olhar o céu, e tudo que se tinha era a melancolia, com a capacidade de matá-la. Sem dinheiro e sem sorte para tê-lo, o que, possivelmente, poderia amenizar os impactos de toda essa mágoa guardada, ela se vê parada, apenas esperando a morte chegar.
A busca pela paz na temática religiosa, as discórdias são citadas no ambiente bíblico, enquanto que, cenários de pura guerra dominam todos os povos. Então, o destino se perde quando se busca o eterno, afirma. Espera-se que essa paz se edifique, e que os muros ali presentes caiam; e que a dificuldade de atravessar os lados acabe, com a tão sonhada união. Pede-se que, enfim, a paz chegue e se espalhe para todos, através das possíveis pontes, disseminando-se em todo o planeta, para acabar com toda dor e sofrimento.

  • ·         LIRA (Ildefonsa Laura César)
Quanto invejo da pastora
o viver simples e bom!
Mas a mim negou o fado,
não quis tivesse esse dom.
Aquela no
verde prado
seu rebanho vê pastar,
a natureza contempla,
que a deixa seus bens gozar.
Enquanto do sol ardente
deixa passar o calor,
cheirosas flores enrama
para dar ao seu amor.
Não fazem sua fortuna
vãs ilusões grandeza;
nem sofre cruéis motejos
 
 seu tratar com singeleza.
Cantando à borda do rio,
que banha alegre morada,
seus projetos executa
sem que seja censurada.
Isenta de austeras leis,
pensa, ri, brinca se quer.
Ignorando rigorismos
é feliz, onde estiver.
Pelos céus abençoados
vê seus dias, seus prazeres,
desempenhando mimosa
seus mais sagrados deveres.
Sua glória, em ser querida
e querer, funda somente.
Carinhosa tem carinhos,
e vive assim bem contente.
Ai de mim! A quem a sorte
de tão altos bens privou,
ditosos dias ainda
comigo não compartilhou

Em todas as expressões se pode notar o anseio pela liberdade e falta de censura. Propositalmente, a crítica é à atual época onde as poetas mulheres na época eram desconsideradas.
A vida que se almeja é simples, como a da pastora que vê o rebanho pastar e pode contemplar a natureza normal e livremente, cantando à beira do rio e sem nenhum tipo de preocupação; e que pode ser feliz onde estiver, enquanto que o eu lírico sequer teve a sorte de ter alguma ventura.



Palavras da crítica:

As mulheres poetas eram totalmente desconhecidas, era como se nenhuma delas existisse como poeta em sua época portanto não há textos de críticos falando sobre seus trabalhos.


Bibliografia:

Coelho, Nelly Novaes. Dicionário crítico de escritoras brasileiras: (1711-2001) / Nelly Novaes Coelho. São Paulo: Escrituras Editora, 2002.
Poesia da Delfina: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_grade_sul/delfina_benigna_da_cunha.html 
Poesia da Ildefonsa: Anais do VII Seminário Internacional e XVI Seminário Nacional Mulher e Literatur/org. André Tessaro Pelinser...[et al.].– Caxias do Sul, RS : Educs, 2016. Disponível em: https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/anais-seminario-mulher-literatura2015_2.pdf
 

Manuel Botelho de Oliveira

Grupo:
Thaís Bastos
Julia Bitencourt
Ana Carolina Teixeira
Joelder Battista  

Biografia:

Manuel Botelho de Oliveira, advogado, político e poeta barroco de nacionalidade portuguesa, nasceu em Salvador, no Brasil colônia em 1636, e viveu até 1711. Ele foi o primeiro autor nascido no Brasil a ter um livro publicado. Filho de um capitão de infantaria, cursou Direito na Universidade de Coimbra, em Portugal. Foi ao retornar ao Brasil que passou a exercer a advocacia e foi eleito vereador da Câmara de Salvador. Em 1694 tornou-se capitão-mor dos distritos de Papagaio, Rio do Peixe e Gameleira. Ele conviveu com Gregório de Matos e versou sobre os temas correntes da poesia de seu tempo.
         A sua primeira obra foi Mal Amigo, escrita em 1663 e publicada em Coimbra. Mas a sua principal obra é a coletânea de poemas Música do Parnaso, reunindo poemas em português, castelhano, italiano, e latim, e duas comédias em espanhol (Hay amigo para amigo e amor e Engaños y elos), que foi escrita em 1705 e publicada em Lisboa, e foi responsável por torná-lo o primeiro autor nascido no Brasil a ter um livro impresso. Na obra há destaque para o poema "À ilha de Maré", a qual possui vocabulário típico dos barrocos, e é um dos primeiros a louvar a terra e descrever com esmero sobre a variedade de frutos e legumes brasileiros, lembrando sempre a inveja que fariam às metrópoles europeias.


Principal obra:
·         À ilha de Maré
À ILHA DE MARÉ TERMO DESTA CIDADE DA BAHIA
SILVA

Jaz oblíqua forma e prolongada
   a terra de Maré toda cercada
   de Netuno, que tendo o amor constante,
   lhe dá muitos abraços por amante,
   e botando
   lhe os braços dentro dela
   a pretende gozar, por ser mui bela.
Nesta assistência tanto a senhoreia,
   e tanto a galanteia,
   que, do mar, de Maré tem o apelido,
   como quem preza o
   amor de seu querido:
e por gosto das prendas amorosas
   fica maré de rosas,
   e vivendo nas ânsias sucessivas,
   são do amor marés vivas;
   e se nas mortas menos a conhece,
   maré de saudades lhe parece.
Vista por fora é pouco apetecida,
   porque aos olhos por feia é parecida;
   porém dentro habitada
   é muito bela, muito desejada,
   é como a concha tosca e deslustrosa,
   que dentro cria a pérola fermosa.
Erguem-se nela outeiros
   com soberbas de montes altaneiros,
   que os vales por humildes desprezando,
   as presunções do Mundo estão mostrando,
   e querendo ser príncipes subidos,
   ficam os vales a seus pés rendidos.
Por um e outro lado
   vários lenhos se vêem no mar salgado;
   uns vão buscando da Cidade a via,
   outros dela se vão com alegria;
   e na desigual ordem
   consiste a fermosura na desordem.
Os pobres pescadores em saveiros,
   em canoas ligeiros,
   fazem com tanto abalo
   do trabalho marítimo regalo;
   uns as redes estendem,
   e vários peixes por pequenos prendem;
   que até nos peixes com verdade pura
   ser pequeno no Mundo é desventura:
   outros no anzol fiados têm
   aos míseros peixes enganados,
   que sempre da vil isca cobiçosos
   perdem a própria vida por gulosos.
Aqui se cria o peixe regalado
   com tal sustância, e gosto preparado,
   que sem tempero algum para apetite
   faz gostoso convite,
   e se pode dizer em graça rara
   que a mesma natureza os temperara.
Não falta aqui marisco saboroso,
   para tirar fastio ao melindroso;
   os polvos radiantes,
   os lagostins flamantes,
   camarões excelentes,
   que são dos lagostins pobres parentes;
   retrógrados cranguejos,
   que formam pés das bocas com festejos,
   ostras, que alimentadas
   estão nas pedras, onde são geradas;
   enfim tanto marisco, em que não falo,
   que é vário perrexil para o regalo.
As plantas sempre nela reverdecem,
   e nas folhas parecem,
   desterrando do Inverno os desfavores,
   esmeraldas de Abril em seus verdores,
   e delas por adorno apetecido
   faz a divina Flora seu vestido.
As fruitas se produzem copiosas,
   e são tão deleitosas,
   que como junto ao mar o sítio é posto,
   lhes dá salgado o mar o sal do gosto.
   As canas fertilmente se produzem,
   e a tão breve discurso se reduzem,
   que, porque crescem muito,
   em doze meses lhe sazona o fruito,
   e não quer, quando o fruto se deseja,
   que sendo velha a cana, fértil seja.
As laranjas da terra
   poucas azedas são, antes se encerra
   tal doce nestes pomos,
   que o tem clarificado nos seus gomos;
   mas as de Portugal entre alamedas
   são primas dos limões, todas azedas.
Nas que chamam da China
   grande sabor se afina,
   mais que as da Europa doces, e melhores,
   e têm sempre a ventagem de maiores,
   e nesta maioria,
   como maiores são, têm mais valia.
Os limões não se prezam,
   antes por serem muitos se desprezam.
   Ah se Holanda os gozara!
   Por nenhuma província se trocara.
As cidras amarelas
   caindo estão de belas,
   e como são
   inchadas, presumidas,
   é bem que estejam pelo chão caídas.
As uvas moscatéis são tão gostosas,
   tão raras, tão mimosas;
   que se Lisboa as vira, imaginara
   que alguém dos seus pomares as furtara;
   delas a produção por copiosa
   parece milagrosa,
   porque dando em um ano duas vezes,
   geram dous partos, sempre, em doze meses.
Os melões celebrados
   aqui tão docemente são gerados,
   que cada qual tanto sabor alenta,
   que são feitos de açúcar, e pimenta,
   e como sabem bem com mil agrados,
   bem se pode dizer que são letrados;
   não falo em Valariça, nem Chamusca:
   porque todos ofusca
   o gosto destes, que esta terra abona
   como próprias delícias de Pomona.
As melancias com igual bondade
   são de tal qualidade,
   que quando docemente nos recreia,
   é cada melancia uma colmeia,
   e às que tem Portugal lhe dão de rosto
   por insulsas abóboras no gosto.
Aqui não faltam figos,
   e os solicitam pássaros amigos,
   apetitosos de sua doce usura,
   porque cria apetites a doçura;   
   e quando acaso os matam
   porque os figos maltratam,
   parecem mariposas, que embebidas
   na chama alegre, vão perdendo as vidas.
As romãs rubicundas quando abertas
   à vista agrados são, à língua ofertas,
   são tesouro das fruitas entre afagos,
   pois são rubis suaves os seus bagos.
   As fruitas quase todas nomeadas
   são ao Brasil de Europa trasladadas,
   por que tenha o Brasil por mais façanhas
   além das próprias fruitas, as estranhas.
E tratando das próprias, os coqueiros,
   galhardos e frondosos
   criam cocos gostosos;
   e andou tão liberal a natureza
   que lhes deu por grandeza,
   não só
   para bebida, mas sustento,
o néctar doce, o cândido alimento.
   De várias cores são os cajus belos,
   uns são vermelhos, outros amarelos,
   e como vários são nas várias cores,
   também se mostram vários nos sabores;
   e criam a castanha,
   que é melhor que a de Franç
   a, Itália, Espanha.
As pitangas fecundas
   são na cor rubicundas
   e no gosto picante comparadas
   são de América ginjas disfarçadas.
As pitombas douradas, se as desejas,
   são no gosto melhor do que as cerejas,
   e para terem o primor inteiro,
   a ventagem lhes levam pelo cheiro.
Os araçazes grandes, ou pequenos,
   que na terra se criam mais ou menos
   como as pêras de Europa engrandecidas,
   com elas variamente parecidas,
   de várias castas marmeladas belas.
As bananas no Mundo conhecidas
   por fruto e mantimento apetecidas,
   que o céu para regalo e passatempo
   liberal as concede em todo o tempo,
   competem com maçãs, ou baonesas
   com peros verdeais ou camoesas.
   Também servem de pão aos moradores,
   se da farinha faltam os favores;
   é conduto também que dá sustento,
   como se fosse próprio mantimento;
   de sorte que por graça, ou por tributo,
   é fruto, é como pão, serve em conduto.
A pimenta elegante
   é tanta, tão diversa, e tão picante,
   para todo o tempero acomodada,
   que é muito aventajada
   por fresca e por sadia
   à que na Asia se gera, Europa cria.
O mamão por freqüente
   se cria vulgarmente,
   e não o preza o Mundo,
   porque é muito vulgar em ser fecundo.
O marcujá também gostoso e frio
   entre as fruitas merece nome e brio;
   tem nas pevides mais gostoso agrado,
   do que açúcar rosado;
   é belo, cordial, e como é mole,
   qual suave manjar todo se engole.
Vereis os ananases,
   que para rei das fruitas são capazes;
   vestem-se de escarlata
   com majestade grata,
   que para ter do Império a gravidade
   logram da croa verde a majestade;
   mas quando têm a croa levantada
   de picantes espinhos adornada,
   nos mostram que entre Reis, entre Rainhas
   não há croa no Mundo sem espinhas.
   Este pomo celebra toda a gente,
   é muito mais que o pêssego excelente,
   pois lhe leva aventagem gracioso
   por maior, por mais doce, e mais cheiroso.
Além das fruitas, que esta terra cria,
   também não faltam outras na Bahia;
   a mangava mimosa
   salpicada de tintas por fermosa,
   tem o cheiro famoso,
   como se fora almíscar oloroso;
   produze-se no mato
   sem querer da cultura o duro trato,
   que como em si toda a bondade apura,
   não quer dever aos homens a cultura.
   Oh que galharda fruita, e soberana
   sem ter indústria humana,
   e se Jove as tirara dos pomares,
   por ambrósia as pusera entre os manjares!
Com a mangava bela a semelhança
   do macujé se alcança;
   que também se produz no mato inculto
   por soberano indulto:
   e sem fazer ao mel injusto agravo,
   na boca se desfaz qual doce favo.
Outras fruitas dissera, porém, basta
   das que tenho descrito a vária casta;
   e vamos aos legumes, que plantados
   são do Brasil sustentos duplicados:
os mangarás que brancos, ou vermelhos,
   são da abundância espelhos;
   os cândidos inhames, se não minto,
   podem tirar a fome ao mais faminto.
As batatas, que assadas, ou cozidas
   são muito apetecidas;
   delas se faz a rica batatada
   das Bélgicas nações solicitada.
Os carás, que de roxo estão vestidos,
   são lóios dos legumes parecidos,
   dentro são alvos, cuja cor honesta
   se quis cobrir de roxo por modesta.
A mandioca, que Tomé sagrado
   deu ao gentio amado,
   tem nas raízes a farinha oculta:
   que sempre o que é feliz, se dificulta.
E parece que a terra de amorosa
   se abraça com seu fruto deleitosa;
   dela se faz com tanta atividade
   a farinha, que em fácil brevidade
   no mesmo dia sem trabalho muito
   se arranca, se desfaz, se coze o fruito;
dela se faz também com mais cuidado
   o beiju regalado,
   que feito tenro por curioso amigo
   grande ventagem leva ao pão de trigo.
Os aipins se aparentam
   coa mandioca, e tal favor alentam,
   que tem qualquer, cozido, ou seja assado,
   das castanhas da Europa o mesmo agrado.
O milho, que se planta sem fadigas,
   todo o ano nos dá fáceis espigas,
   e é tão fecundo em um e em outro filho,
   que são mãos liberais as mãos de milho.
O arroz semeado
   fertilmente se vê multiplicado;
   cale-se de Valença, por estranha
   o que tributa a Espanha,
   cale-se do Oriente
   o que come o gentio, e a lísia gente;
   que o do Brasil quando se vê cozido
   como tem mais substância, é mais crescido.
Tenho explicado as fruitas e legumes,
   que dão a Portugal muitos ciúmes;
   tenho recopilado
   o que o Brasil contém para invejado,
   e para preferir a toda a terra,
   em si perfeitos quatro AA encerra.
   Tem o primeiro A, nos arvoredos
   sempre verdes aos olhos, sempre ledos;
   tem o segundo A, nos ares puros
   na tempérie agradáveis e seguros;
   tem o terceiro A, nas águas frias,
   que refrescam o peito, e são sadias;
   o quatro A, no açúcar deleitoso,
   que é do Mundo o regalo mais mimoso.
São pois os quatro AA por singulares
   Arvoredos, Açúcar, Águas, Ares.
   Nesta ilha está mui ledo, e mui vistoso
   um Engenho famoso,
   que quando quis o fado antigamente
   era Rei dos engenhos preminente,
   e quando Holanda pérfida e nociva
   o queimou, renasceu qual Fênix viva.
Aqui se fabricaram três capelas
   ditosamente belas,
   uma se esmera em fortaleza tanta,
   que de abóbada forte se levanta;
   da Senhora das Neves se apelida,
   renovando a piedade esclarecida,
   quando em devoto sonho se viu posto
   o nevado candor no mês de agosto.
Outra capela vemos fabricada,
   A Xavier ilustre dedicada,
   que o Maldonado Pároco entendido
   este edifício fez agradecido
   a Xavier, que foi em sacro alento
   glória da Igreja, do Japão portento.
Outra capela aqui se reconhece,
   cujo nome a engrandece,
   pois se dedica à Conceição sagrada
   da Virgem pura sempre imaculada,
   que foi por singular e mais fermosa
   sem manchas lua, sem espinhos rosa.
Esta Ilha de Maré, ou de alegria,
   que é termo da Bahia,
   tem quase tudo quanto o Brasil todo,
   que de todo o Brasil é breve apodo;
   e se algum-tempo Citeréia a achara,
   por esta sua Chipre desprezara,
   porém tem com Maria verdadeira
   outra Vênus melhor por padroeira.



Em À Ilha de Maré, o poeta destaca, em linguagem típica barroca cheia de analogias e contrastes e com grande amor ao Brasil, a exaltação dos produtos brasileiros (frutos e legumes) colocando em contrapartida, que na Europa (Portugal especificamente) nunca esbanjaria uma variedade tão rica e bela. O texto retrata a ilha da Bahia fazendo analogias com claros detalhes para maravilhar o leitor que a ilha é uma terra receptiva, amorosa e fértil. Fala também de seus engenhos de açúcar e cita a invasão holandesa.

Palavras da crítica:
  •  Alfredo Bosi 
[...]  Costuma-se lembrar de Botelho de Oliveira o poema À Ilha da Maré - Termo desta Cidade da Bahia, em tudo gongórico, e que tem sido destacado da Música do Parnaso por mera razão de assunto: descreve um recanto da paisagem baiana e alonga-se na exaltação do clima, dos animais, das frutas.  O critério nativista privilegiou esses versos ( que não raro afloram o ridículo ) vendo nos encômios aos melões e às pitombas um traço para afirmar o progresso da nossa consciência literária em detrimento da Metrópole. Mas um critério formal rigoroso não chegaria por certo às mesmas conclusões.
  •  Adma Muhana
 
Muitos outros poemas em que o “estilo florido” se converte em própria matéria poética poderiam ser citados, mas destaco apenas aquele em que, por evidente, a noção sobressai. De forma excelente, ela se concentra na célebre silva À ilha de Maré, em que muitos viram nativismo, que muitos refutaram, e cujos versos ambos os lados desprezaram.
A imagem da Ilha de Maré na “silva” de Botelho de Oliveira tem como fontes, contrafeitas, o “jardim das delícias” da ilha de Chipre, morada de Vênus, no canto VII do Adone de Marino, bem como a “ilha namorada”, no canto IX d’Os Lusíadas de Camões. Porém, todos os confrontos entre as delícias da ilha do Recôncavo e aquelas encontradas nas outras partes do mundo dos antigos, cujo paragone resulta sempre na superioridade dos elementos presentes em Maré, estão emoldurados pelo cotejo final entre a deusa do amor pagã e a do amor cristão, com predomínio, evidente, da última, deusa do amor casto e virtuoso, porque verdadeiro, de nome derivado do próprio mar, “Maria”:
E se algum tempo Citereia a achara, Por esta sua Chipre desprezara, Porém tem com Maria verdadeira Outra Vênus melhor por padroeira. 
Por isso, o poema todo há de ser lido como uma comparação epidítica que não visa senão ao elogio da ilha da Bahia, mostrada como uma maravilha, cuja sobrenaturalidade é fruto da bênção divina e não franqueia os limites do verossímil. Não se trata, portanto, de uma fantasia inverossímil, incongruente, como as dos mitos e feitiçarias, seja da antiguidade pagã, seja da medievalidade. Em suas linhas principais, o poema consiste em uma descriptio da ilha de Maré, o que desde o título e na estrofe final se justifica por ser ela termo da cidade da Bahia, resumo ou apodo do Brasil. Ser uma descriptio, já se sabe, significa desde logo pôr sob luz brilhante e admirável tudo o que, na descrição, possa adornar a coisa descrita de qualidades e virtudes, produzindo o seu louvor. A descriptio é antes de tudo uma figura da evidentia. Assim, a descrição evidencia as belezas da ilha com ostensão, mediante hipotiposes, mostrando-as presencialmente e como que tornando o leitor um espectador delas: como num teatro, estupefacto como em frente a uma pintura, no tempo presente da enunciação. Não há uma narração de coisas passadas, mas tudo se passa como se à vista do leitor, aprisionado na paisagem pela insistência do dêitico aqui, isto é, neste lugar e momento: Aqui se cria o peixe regalado; Não falta aqui marisco saboroso; Os melões [...] aqui são gerados; Aqui não faltam figos; Aqui se fabricaram três capelas; Outra capela aqui se reconhece. Etc.
Para tanto, Botelho de Oliveira segue rigoroso as recomendações das Instituições oratórias de Quintiliano acerca da demonstração epidítica de um locus (no Livro III, cap.7) começando por definir a ilha, o que faz com uma pretensa etimologia motivada: é uma terra rodeada por mar e daí seu nome, “Maré”. Essa designação, porém, em nosso culto autor, é fonte de mais de um tropo, pois maré é nome derivado, metaforicamente, do deus do mar que rodeia a ilha, Netuno. O envolvimento da ilha pelo mar dá razão a nova metáfora, ao trazer o poeta, já na primeira estrofe, a imagem dum amante que abraça e penetra a amada – já que a lírica, ora, trata justamente de deleites. Afirmando
ser recíproco o amor entre a ilha e o mar, seu nome se justifica, amplificadamente, nas diversas expressões com que se significam aspectos desse amor: ilha de maré de rosas (pelas despreocupadas alegrias do amor); ilha de marés vivas (pelas ondas cheias com que o mar a invade); ilha de marés mortas (quando a água do mar, afastando-se da terra, provoca-lhe saudades). Todas essas figuras caracterizam, numa linguagem afetiva – sensualíssima – a ilha como uma terra receptiva, amorosa e fértil.
Jaz em oblíqua forma e prolongada A terra de Maré toda cercada De Netuno, que tendo o amor constante, Lhe dá muitos abraços por amante, E botando-lhe os braços dentro dela A pretende gozar, por ser mui bela. Nesta assistência tanto a senhoreia, E tanto a galanteia, Que, do mar, de Maré tem o apelido,  Como quem preza o amor de seu querido: E por gosto das prendas amorosas Fica maré de rosas,  E vivendo nas ânsias sucessivas,  São do amor marés vivas; E se nas mortas menos a conhece,  Maré de saudades lhe parece.
Além disso, a descrição da ilha é feita de modo a conter uma narração, em que a clareza das imagens, novamente, se destina a provocar afetos e deleites, sem se pôr a serviço do docere, isto é, de ensinar a qualquer leitor desavisado o que seja a ilha de Maré. Por essa razão, são descabidas discussões, com base no poema, a respeito da inexistência ou existência de figos e melões e uvas no Recôncavo da Bahia no Seiscentos! Por meio de um belo artifício, o poeta – senhor de (alto) engenho – faz como se a visão da ilha fosse oferecida a partir de um ponto no mar, por alguém dela se aproximando devagar (num barco...), podendo assim ver sucessiva e admiradamente, do mais amplo ao particular, do contorno ao interior, como com uma luneta, sua forma oblíqua, espraiada à tona d’água, seus outeiros, as canoas e os saveiros à sua volta, os pescadores dentro deles a lançar redes e anzóis, os peixes e mariscos que apanham, a verdura da terra, as frutas, os legumes no solo, as construções que se distinguem na paisagem: um engenho, três capelas.
Este modo se descrever, centrado nos procedimentos amplificativos como meios de suscitar os afetos, em que o acento recai no fingimento de presença dramática, transformando ouvintes e leitores em espectadores ativos, caracteriza uma ecfrase: “técnica de produzir enunciados que têm enargeia, presentando a coisa quase como se o ouvido a visse em detalhe”, segundo a definição de Hermógenes discutida por João Adolfo HANSEN (2006, p.85). Por essa descriptio estimar não um ensinamento, mas um encanto, não um realismo, mas uma composição poética maravilhosa, a aparência da ilha se mimetiza em caráter, a reproduzir a Moral do império do qual a ilhota é parte – privilegiada, como foi dito, por ser sua síntese melhor. Se exteriormente parece feia, o é do mesmo modo que a concha, que guarda em si a pérola fermosa; se tem outeiros, é por que neles se mostram as presunções do mundo; se, finalmente, na azáfama dos barcos que sulcam a baía, uns vão buscando da Cidade a via e outros dela se vão com alegria, é porque na desigual ordem / consiste a fermosura na desordem. A ilha é um mundo abreviado, mas inteiro, uno na sua semelhança com o Mundo criado, em que se há de desconfiar das aparências, em que até nos peixes com verdade pura / ser pequeno [...] é desventura, e em que, finalmente, em suas diferenças, se compõe a harmonia da natureza, vária e antitética.
Tal variedade, razão da formosura, é o que a descriptio em que consiste o poema focaliza. O deambular do olhar, envolvendo e particularizando os elementos admiráveis da ilha, intensifica o caráter digressivo da descrição, propiciando a exposição minuciosa e plural de cada elemento do conjunto, em suas qualidades susceptíveis de causar espanto e maravilhar o leitor – sempre desejoso de ser deleitado. Assim se há de entender o catálogo de peixes e mariscos, em que o sentido (inteligível, é claro) do paladar é afetado por uma série de adjetivos que lhe correspondem: regalo, regalado, sustância, gosto, gostoso, tempero, temperado, apetite, convite, saboroso, fastio...
E assim também o extenso catálogo de frutas e legumes que ocupa a maior parte do poema, numa gala de termos raros e sonoros, luxuosos como convém à primavera dessa ilha, em que as folhas verdes brilham sem cessar, esmeraldas de abril. Esse catálogo de vegetais da silva (por outro nome, “selva”), é subdividido em três: o das frutas importadas, o das naturais e o das raízes. Entre as frutas do primeiro catálogo, a cana-de-açúcar dulcíssima é a primeira a ser mencionada, como era de se esperar; das demais, cada uma é comparada às da terra de origem, mostrando vantagem, seja pela doçura (as “laranjas da terra” e os figos), seja pelo tamanho (as “laranjas da China”), seja pela quantidade (os limões), pela beleza (as cidras), pelo número das colheitas (as uvas moscatéis), pelo sabor (os melões), pela qualidade (as melancias), pela cor (as romãs).
No segundo catálogo, os principais termos de comparação referem-se ao sabor, o odor, a cor e o tato das frutas “próprias” em relação àquelas que frutificam apenas na Europa: a castanha do caju é melhor que a de França, Itália, Espanha; as pitombas são no gosto melhor do que as cerejas; as bananas competem com maças, ou baonesas, / com peros verdeais ou camoesas; o marcujá como é mole, / qual suave manjar todo se engole; a mangaba tem o cheiro famoso, como se fora almíscar oloroso; enfim, o ananás, que é muito mais que o pêssego excelente [...] por maior, por mais doce, e mais cheiroso. Estabelecendo a comparação com frutos europeus tidos por excelentes, Botelho de Oliveira não só logra trazê-los ao seu poema, multiplicando, por assim dizer, a variedade dos que arrola, como também superlativiza as plantas da terra pelo confronto com as estranhas. O cromatismo também é rico, e encarece o espectro de prazeres que podem suscitar as frutas, segundo o sentido (inteligível, novamente) da visão: cajus belos, vermelhos, amarelos; pitangas rubicun
das; pitombas douradas; maracujá mais do que açúcar rosado; mangaba salpicada de tintas. E o mesmo em relação aos legumes: mangarás brancos ou vermelhos; inhames cândidos, carás roxos etc. 
Sob a denominação de “legumes”, por fim, Botelho de Oliveira inclui raízes como mangarás, batatas, inhames, carás e aipins, com destaque para a mandioca e sua farinha, bem como o milho e o arroz, os quais todos são do Brasil sustentos duplicados. Aqui, o principal termo que os reúne, mas do que as belezas sensíveis que predominam entre as frutas, é a utilidade para a alimentação: os inhames podem tirar a fome ao mais faminto; das batatas se faz a rica batatada, / das Bélgicas nações solicitada; da farinha de mandioca faz-se o beiju, que grande ventagem leva ao pão de trigo etc. Todo este rol de “frutos da terra”, em sua variedade, são partes da dita formosura da ilha, a qual, naturalmente, assim é por serem honestos seus prazeres. A riqueza, suavidade, beleza, paladar, tato, odor, que cada um deles e seu conjunto oferecem aos sentidos, concorrem para o elogio da ilha, qualificando-a como doce e útil; o poema, por sua vez, imitando-lhe doçuras e utilidades, ofício maior do engenho poético, deleita e instrui o leitor maravilhado, bem aprendido e desviado paradigma horaciano.
Um único sentido, o da audição, pareceria estar ausente nesse fausto de delícias, não soubéssemos que a sonoridade rara – e melodiosa – de tais frutas e legumes naturais da terra até hoje são capazes de estranhar agradavelmente os ouvidos, mesmo, é claro, numa leitura silenciosa: mangava, macujé, mangará, cará, inhame, beiju, aipim...
A natureza da ilha é sintetizada nos ciúmes e invejas que, por esses bens, o Brasil causa a Portugal, e é causa de ter sido acometida por holandeses (Ah se Holanda os gozara!). A síntese se materializa nos quatro elementos em que ela excele, coincidindo seus AA com suas virtudes: Arvoredos sempre verdes, Ares puros, Águas sadias, Açúcar deleitoso.
 Tenho explicado as fruitas e legumes Que dão a Portugal muitos ciúmes; Tenho recopilado O que o Brasil contém para invejado, E para preferir a toda a terra, Em si perfeitos quatro AA encerra. Tem o primeiro A, nos arvoredos Sempre verdes aos olhos, sempre ledos; Tem o segundo A, nos ares puros Na tempérie agradáveis e seguros; Tem o terceiro A, nas águas frias, Que refrescam o peito, e são sadias; O quarto A, no açúcar deleitoso, Que é do Mundo o regalo mais mimoso.
A representação das letras como signos de realidades essenciais é um lugar comum, que recupera sofisticamente noções já vistas da potência sonora como semelhança conceitual. Isso ocorre até nos primeiros cronistas do Brasil, que repetem com insistência a máxima de que as diversas línguas dos índios do Brasil não têm, nenhuma delas, nem F, nem L, nem R – evidência de nenhum deles poderem ter Fé, Lei, ou Rei. Aqui, o poeta usa o mesmo procedimento de tomar a letra A como signo dos conceitos elegidos, porém não para vituperar, e sim para fazer uma súmula do elogio à ilha, que em si perfeitos quatro AA encerra. A letra A é primeira em todos os alfabetos, dizem, a primeira de todos os homens, também expiração de Deus – que se diz Alfa e Ômega. Certamente, as árvores, os ares e as águas insignes demonstram por si dádivas divinas à ilha, que a tornam maravilhosa em seus elementos naturais; mas a perfeição última é dada pelo açúcar, produto do labor e do artifício humano, cuja fartura, riqueza e doçura excepcionais são permitidas pela divindade para completude da glória da ilha e seu louvor. Por essa razão, o engenho famoso que aí existia, destruído pelos batavos hereges que a cobiçavam e a todo o Brasil, renasceu em seguida, Fênix católica. Tornada templo divino toda a ilha, portanto, o reconhecimento visível da fé é dado pelos homens que nela não descuidaram de construir três capelas, ditosamente belas, dedicada uma a Nossa Senhora das Neves, outra a São Francisco Xavier e a terceira a Nossa Senhora da Conceição.
Deste modo, todos os deleites exuberantes da ilha de Maré se mostram coniventes com a virtude católica, ibérica. Vênus, Apolo e suas Musas são alegorias, ao passo que Maria é padroeira da poesia e do amor verdadeiros. As cores, sabores e odores raros, imitados numa locução distinta e harmoniosa, que procura se assemelhar às coisas extraordinárias e felizes que descreve, são mostras dos benefícios divinos derramados sobre a cidade do Salvador, a qual reverencia a Fé, obedece à Lei, se submete a seu Rei. Se delectare admiravelmente é o efeito último almejado em poemas encomiásticos como esse, tal deleite se reveste, por sua vez, de uma eficácia precisa, em termos de adequação e conjunção ao Império e à Igreja.

Bibliografia:

Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Botelho_de_Oliveira
Poesia: À ilha de Maré, de Manuel Botelho de Oliveira in Poesia Barroca, org. por Péricles Eugênio da Silva Ramos. Edições Melhoramentos, São Paulo, 1967.
BOSI, A. História Concisa da Literatura Brasileira. 2° ed, 5° impressão São Paulo: Cultrix, 1975.
MUHANA, A. A “maravilha” na poesia de Manuel Botelho de Oliveira. Per Musi, Belo Horizonte, n.24, 2011, p.35-42.