quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Cartas Chilenas - Apresentação

As Cartas Chilenas, do gênero satírico, circularam manuscritas e anônimas em Vila Rica antes da Inconfidência Mineira, suscitando dúvidas sobre sua autoria durante mais de um século. 


A análise estilística do poema favorece a autoria de Gonzaga, porém Antonio Candido não descarta a hipótese de colaboração de Cláudio Manuel da Costa. Provavelmente, Gonzaga escreveu esse poema com o intuito de satirizar seu desafeto político, o Governador Luís da Cunha Meneses.

Contam-se treze cartas, em tom sarcástico, que relatam e criticam as façanhas do Fanfarrão Minésio (Cunha Meneses) em seu governo de violência, corrupção e autoritarismo, supostamente na capitania do Chile, país atribuído às narrativas das cartas (sendo, na verdade,  a capitania de Minas Gerais).

Na primeira carta, Critilo (Gonzaga)  remete a Doroteu (Manuel da Costa) a posse de Fanfarrão Minésio.

Pois se queres ouvir notícias velhas
50 -- Dispersas por imensos alfarrábios,
Escuta a história de um moderno chefe,
Que acaba de reger a nossa Chile,
Ilustre imitador a Sancho Pança.
E quem dissera, amigo, que podia
55 -- Gerar segundo Sancho a nossa Espanha!

Na segunda carta, Critilo fala a Doroteu sobre o fingimento de Fanfarrão no início de seu governo para ganhar a confiança do povo.

Apenas, Doroteu, o nosso chefe
65 -- As rédeas manejou, do seu governo,
Fingir-nos intentou que tinha uma alma
Amante da virtude. Assim foi Nero.
Governou aos romanos pelas regras
Da formosa justiça, porém logo
70 -- Trocou o cetro de ouro em mão de ferro.
Manda, pois, aos ministros lhe dêem listas
De quantos presos as cadeias guardam,
Faz a muitos soltar e aos mais alenta
De vivas, bem fundadas esperanças.
75 -- Estranha ao subalterno, que se arroga
O poder castigar ao delinqüente
Com troncos e galés; enfim ordena
Que aos presos, que em três dias não tiverem
Assentos declarados, se abram logo
80 -- Em nome dele, chefe, os seus assentos.
Aquele, Doroteu, que não é santo,
Mas quer fingir-se santo aos outros homens,
Pratica muito mais, do que pratica
Quem segue os sãos caminhos da verdade.
85 -- Mal se põe nas igrejas, de joelhos,
Abre os braços em cruz, a terra beija,
Entorta o seu pescoço, fecha os olhos,
Faz que chora, suspira, fere o peito,
E executa outras muitas macaquices
90 -- Estando em parte onde o mundo as veja.
Assim o nosso chefe, que procura
Mostrar-se compassivo, não descansa
Com estas poucas obras: passa a dar-nos
Da sua compaixão maiores provas.

Na terceira carta, Critilo relata as maldades que Fanfarrão fez por causa de uma cadeia que iniciou e a tristeza do povo com os acontecimentos.

Que triste, Doroteu, se pôs a tarde!

Agora, Doroteu, ninguém passeia,
10 -- Todos em casa estão, e todos buscam
Divertir a tristeza, que nos peitos
Infunde a tarde, mais que a noite feia.
...
Pretende, Doroteu, o nosso chefe
Erguer uma cadeia majestosa,
Que possa escurecer a velha fama
Da torre de Babel e mais dos grandes,
70 -- Custosos edifícios que fizeram,
Para sepulcros seus, os reis do Egito.

Na quinta e sexta cartas, Critilo relata a chegada de Carlota Joaquina, o casamento com D. João VI e críticas aos gastos absurdos com a corte portuguesa.

Trechos da quinta carta
30 -- Chegou à nossa Chile a doce nova
De que real infante recebera,
Bem digna de seu leito, casta esposa.
Reveste-se o baxá de um gênio alegre
E, para bem fartar os seus desejos,
35 – Quer que, a despesas do senado e povo,
Arda em grandes festins a terra toda.
...
Chega enfim o dia suspirado,
O dia do festejo. Todos correm
Com rostos de alegria ao santo templo;
Celebra o velho bispo a grande missa;
185 -- Porém o sábio chefe não lhe assiste
Debaixo do espaldar, ao lado esquerdo:
Para a tribuna sobe e ali se assenta.
Uns dizem, Doroteu, fugiu, prudente,
Por não ver assentados os padrecos
190 -- Na capela maior, acima dele.

Trecho da sexta carta
65 -- Aqui nada se vê que seja pobre.
Recreia, Doroteu, recreia a vista
O vário dos matizes; cega os olhos
O contínuo brilhar das finas pedras.

Na décima carta, Critilo relata as maiores desordens que Fanfarrão fez em seu governo.

Assim o nosso chefe não descansa
De fazer, Doroteu, no seu governo,
Asneiras sobre asneiras; entre as muitas,
Que menos violentas nos parecem,
25 -- Pratica outras que excedem muito e muito
As raias dos humanos desconcertos.
Perdoa, minha Nise, que eu desista
Do intento começado. Tu mil vezes
Nos meus olhos já leste os meus afetos,
30 -- Não careces de os ler nos meus escritos.
Perdoa, pois, que eu gaste as breves horas
A contar as asneiras desumanas
Do nosso Fanfarrão ao caro amigo.
E tu, meu Doroteu, antes que leias
35 -- O que vou a contar-te, jurar deves
Pelos olhos da tua amada esposa,
Por seu louro cabelo, e pelo dia
Em que viste, na sua alegre boca,
O primeiro sorriso, que não hás de
40 -- Duvidar do que leres, bem que sejam
Desordens que pareçam impossíveis.
A Junta, Doroteu, a quem pertence
Evitar contrabandos, prende, envia
À sabia Relação do Continente
45 -- A trinta delinqüentes, para serem
Castigados conforme os seus delitos.
Entende o nosso chefe que esta Junta
Não devia mandar aos malfeitores
Sem sua autoridade, e dela toma
50 -- O mais estranho, bárbaro despique:
Manda embargar aos presos na cadeia
Do nosso Santiago, e manda ao pobre
Do condutor meirinho que os sustente,
Assistindo também aos que enfermarem
55 -- Com médicos, remédios e galinhas.
Acaba-se o dinheiro que lhe deram
Para fazer os gastos do caminho;

Referências bibliográficas
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1975.
CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. Belo Horizonte: Itatiaia Ltda, 2000.
SUTTANA, Renato. Tomás Antônio Gonzaga: Duplo personagem. Rev. de Letras, n. 23 - Vol. 1/2, 2001. 1/2, 2001. Disponível em: http://www.revistadeletras.ufc.br/rl23Art04.pdf

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