As Cartas Chilenas, do gênero
satírico, circularam manuscritas e anônimas em Vila Rica antes da Inconfidência
Mineira, suscitando dúvidas sobre sua autoria durante mais de um século.
A análise estilística do poema favorece a autoria de Gonzaga, porém Antonio Candido não descarta a hipótese de colaboração de Cláudio Manuel da Costa. Provavelmente, Gonzaga escreveu esse poema com o intuito de satirizar seu desafeto político, o Governador Luís da Cunha Meneses.
A análise estilística do poema favorece a autoria de Gonzaga, porém Antonio Candido não descarta a hipótese de colaboração de Cláudio Manuel da Costa. Provavelmente, Gonzaga escreveu esse poema com o intuito de satirizar seu desafeto político, o Governador Luís da Cunha Meneses.
Contam-se treze cartas, em tom
sarcástico, que relatam e criticam as façanhas do Fanfarrão Minésio (Cunha Meneses)
em seu governo de violência, corrupção e autoritarismo, supostamente na capitania do Chile,
país atribuído às narrativas das cartas (sendo, na verdade, a capitania de Minas Gerais).
Na primeira carta, Critilo (Gonzaga) remete a Doroteu (Manuel da Costa) a posse de
Fanfarrão Minésio.
Pois
se queres ouvir notícias velhas
50
-- Dispersas por imensos alfarrábios,
Escuta
a história de um moderno chefe,
Que
acaba de reger a nossa Chile,
Ilustre
imitador a Sancho Pança.
E
quem dissera, amigo, que podia
55
-- Gerar segundo Sancho a nossa Espanha!
Na segunda carta, Critilo fala
a Doroteu sobre o fingimento de Fanfarrão no início de seu governo para ganhar
a confiança do povo.
Apenas,
Doroteu, o nosso chefe
65
-- As rédeas manejou, do seu governo,
Fingir-nos
intentou que tinha uma alma
Amante
da virtude. Assim foi Nero.
Governou
aos romanos pelas regras
Da
formosa justiça, porém logo
70
-- Trocou o cetro de ouro em mão de ferro.
Manda,
pois, aos ministros lhe dêem listas
De
quantos presos as cadeias guardam,
Faz
a muitos soltar e aos mais alenta
De
vivas, bem fundadas esperanças.
75
-- Estranha ao subalterno, que se arroga
O
poder castigar ao delinqüente
Com
troncos e galés; enfim ordena
Que
aos presos, que em três dias não tiverem
Assentos
declarados, se abram logo
80
-- Em nome dele, chefe, os seus assentos.
Aquele,
Doroteu, que não é santo,
Mas
quer fingir-se santo aos outros homens,
Pratica
muito mais, do que pratica
Quem
segue os sãos caminhos da verdade.
85
-- Mal se põe nas igrejas, de joelhos,
Abre
os braços em cruz, a terra beija,
Entorta
o seu pescoço, fecha os olhos,
Faz
que chora, suspira, fere o peito,
E
executa outras muitas macaquices
90
-- Estando em parte onde o mundo as veja.
Assim
o nosso chefe, que procura
Mostrar-se
compassivo, não descansa
Com
estas poucas obras: passa a dar-nos
Da
sua compaixão maiores provas.
Na terceira carta, Critilo
relata as maldades que Fanfarrão fez por causa de uma cadeia que iniciou e a
tristeza do povo com os acontecimentos.
Que
triste, Doroteu, se pôs a tarde!
Agora,
Doroteu, ninguém passeia,
10
-- Todos em casa estão, e todos buscam
Divertir
a tristeza, que nos peitos
Infunde
a tarde, mais que a noite feia.
...
Pretende,
Doroteu, o nosso chefe
Erguer
uma cadeia majestosa,
Que
possa escurecer a velha fama
Da
torre de Babel e mais dos grandes,
70
-- Custosos edifícios que fizeram,
Para
sepulcros seus, os reis do Egito.
Na quinta e sexta cartas,
Critilo relata a chegada de Carlota Joaquina, o casamento com D. João VI e
críticas aos gastos absurdos com a corte portuguesa.
Trechos da quinta carta
30
-- Chegou à nossa Chile a doce nova
De
que real infante recebera,
Bem
digna de seu leito, casta esposa.
Reveste-se
o baxá de um gênio alegre
E,
para bem fartar os seus desejos,
35
– Quer que, a despesas do senado e povo,
Arda
em grandes festins a terra toda.
...
Chega
enfim o dia suspirado,
O
dia do festejo. Todos correm
Com
rostos de alegria ao santo templo;
Celebra
o velho bispo a grande missa;
185
-- Porém o sábio chefe não lhe assiste
Debaixo
do espaldar, ao lado esquerdo:
Para
a tribuna sobe e ali se assenta.
Uns
dizem, Doroteu, fugiu, prudente,
Por
não ver assentados os padrecos
190
-- Na capela maior, acima dele.
Trecho da sexta carta
65
-- Aqui nada se vê que seja pobre.
Recreia,
Doroteu, recreia a vista
O
vário dos matizes; cega os olhos
O
contínuo brilhar das finas pedras.
Na décima carta, Critilo relata as maiores desordens que
Fanfarrão fez em seu governo.
Assim
o nosso chefe não descansa
De
fazer, Doroteu, no seu governo,
Asneiras
sobre asneiras; entre as muitas,
Que
menos violentas nos parecem,
25
-- Pratica outras que excedem muito e muito
As
raias dos humanos desconcertos.
Perdoa,
minha Nise, que eu desista
Do
intento começado. Tu mil vezes
Nos
meus olhos já leste os meus afetos,
30
-- Não careces de os ler nos meus escritos.
Perdoa,
pois, que eu gaste as breves horas
A
contar as asneiras desumanas
Do
nosso Fanfarrão ao caro amigo.
E
tu, meu Doroteu, antes que leias
35
-- O que vou a contar-te, jurar deves
Pelos
olhos da tua amada esposa,
Por
seu louro cabelo, e pelo dia
Em
que viste, na sua alegre boca,
O
primeiro sorriso, que não hás de
40
-- Duvidar do que leres, bem que sejam
Desordens
que pareçam impossíveis.
A
Junta, Doroteu, a quem pertence
Evitar
contrabandos, prende, envia
À
sabia Relação do Continente
45
-- A trinta delinqüentes, para serem
Castigados
conforme os seus delitos.
Entende
o nosso chefe que esta Junta
Não
devia mandar aos malfeitores
Sem
sua autoridade, e dela toma
50
-- O mais estranho, bárbaro despique:
Manda
embargar aos presos na cadeia
Do
nosso Santiago, e manda ao pobre
Do
condutor meirinho que os sustente,
Assistindo
também aos que enfermarem
55
-- Com médicos, remédios e galinhas.
Acaba-se
o dinheiro que lhe deram
Para
fazer os gastos do caminho;
Referências bibliográficas
BOSI, Alfredo. História
concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1975.
CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos
decisivos. Belo Horizonte: Itatiaia Ltda, 2000.
SUTTANA, Renato. Tomás
Antônio Gonzaga: Duplo personagem. Rev. de Letras, n. 23 - Vol. 1/2,
2001. 1/2, 2001. Disponível em: http://www.revistadeletras.ufc.br/rl23Art04.pdf
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